Realismo em Hegel, Idealismo em Marx? Parte VIII (A revolução reacionária de Marx)

1.3.         A revolução reacionária de Marx

Após discorrer longamente sobre a Revolução, no prefácio da Contribuição para a crítica da economia política[1], Marx se pergunta sobre como torná-la possível na Alemanha, ou, mais exatamente, onde reside a sua possibilidade. E a resposta que ele encontra para isto soa um tanto paradoxal: “[reside] na formação de uma classe com cadeias radicais, de uma classe da sociedade civil que não é uma classe da sociedade civil; de um Estado que é a dissolução de todos os estados[...][2]
De início, resulta bastante contraditório que Marx proponha a emancipação política da sociedade através de uma classe com cadeias radicais. Que grilhões seriam esses? Não poderiam ser econômicos, pois isto implicaria uma nova relação de dominação econômica. Não podem ser políticos, pois se busca “a dissolução de todos os estados”. Mas há um dado afirmativo: trata-se de uma classe da sociedade civil.
Uma sociedade de produtores cooperados, se um dia vier a existir, talvez se constitua a partir de uma única classe. Porém, uma sociedade de produtores sem uma instância estatal de coordenação, e sem liames éticos que não os puramente advindos da interação econômica, não constitui a superação da Sociedade Civil que Hegel autopsiou, e que é o protótipo da sociedade burguesa: individualista, pautada na necessidade e na carência, voltada para a maximização do interesse egoístico. Afinal, Marx não propõe uma finalidade própria, positiva para a sociedade civil.
Ademais, note-se que a regulação (as ‘cadeias radicais’) consistem na regulação das funções da sociedade civil, na domesticação do feroz jogo econômico – e não na positividade de uma comunidade ética. Regulação, restrição, pautam-se pelo temor pré-ético, e não pelo respeito ético que supõe a intersubjetividade mediata.
Entretanto, a chave para a decifração da proposta marxista consiste no trecho:’uma classe da sociedade civil que não  é uma classe da sociedade civil’. Com isto, ele prenuncia uma classe que não pertence ao domínio econômico. Uma classe política portanto. Com isto, retorna o Estado: um estado fiscalizador, regulador, restritivo. Autoritário.
Trata-se de mais uma previsão marxista que se realizou: ao avesso. Ou melhor, da forma como Marx havia prenunciado: uma classe da sociedade civil que não pertence à sociedade civil. O que os vapores da ideologia revolucionária não lhe deixaram perceber é que a instauração de uma tal classe, por meio da revolução, exige a perpétua reiteração do gesto revolucionário, na própria sociedade constituída – já que seu caráter extrínseco, e pois, arbitrário, em face da sociedade sobre a qual se instaura, exige mecanismos de consolidação autoritária do poder. Lição que a história demonstrou sobejamente.

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